por Pâmela Carvalho (colunista convidada)
Fotografia: Fábio Teixeira/UOL
“Não adianta querer, tem que ser, tem que pá
O mundo é diferente da ponte pra cá
Não adianta querer ser, tem que ter pra trocar
O mundo é diferente da ponte pra cá
Tem que ser, tem que pá
O mundo é diferente da ponte pra cá
Não adianta querer ser, tem que ter pra trocar”
(Racionais Mc’s - Da ponte pra cá)
O rap, gênero musical surgido entre as populações pretas dos Estados Unidos, rapidamente criou raízes nas favelas e periferias do Brasil. Uma das grandes potências do rap é sua capacidade de fazer diferentes leituras do mundo. Leituras estas que partem muitas vezes, da própria favela.
Em meus caminhos pelas favelas do Rio de Janeiro, tenho estado atenta aos discursos que emergem das ruas. De cada uma destas favelas, emerge um conceito soprado por um rap ao pé do ouvido. Entendo que o rap, produto cultural da favela, nos ajuda a ler este território e a quebrar uma série de estereótipos.
Quando vim morar na Maré, uma das coisas que me chamou atenção foi ouvir os moradores falando de um lugar chamado “Ponte”. A mesma, agora asfaltada, liga a Nova Holanda ao Parque União e serve como ponto de referência e marcador de fronteiras, ligações territóriais e mudanças de ritmo.
Dessa ponte pra cá, aqui no Parque União, o mundo é diferente. É possível encontrar o Pólo Gastronômico da Praça do Parque União, uma roda cultural, diversos espaços de educação, a Casa das Mulheres da Maré e até uma colônia de pescadores. Porém, há outras diversas pontes, físicas e simbólicas. Pontes que marcam espaços diferentes e que sinalizam que cada favela é um mundo.
Há um provérbio yorubá que nos fala a partir da perspectiva de Exu: “A banca do mercado tem dois lados. Se você vem e não deixa nada, você está me roubando.” Os Racionais Mc’s nos dizem que “tem que ter pra trocar”. Por muito tempo as produções pretas e faveladas foram invisibilizadas e descredibilizadas. Muito foi retirado das favelas e das populações pretas. Pouco foi deixado enquanto paga. Porém, a produção cultural favelada nos impulsiona a pensar as vidas e produções de populações marginalizadas desde uma perspectiva de potência. É esta a chave de leitura que tem de conduzir nossa sociedade: a favela enquanto lugar de proposições políticas para o mundo.
Da ponte pra cá, temos construído saberes, conceitos e projetados formas outras de existir.
[1] Trecho da música “Da ponte pra cá”, Racionais Mcs.
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