Sessenta e três
- a palavra solta

- 2 de fev. de 2023
- 2 min de leitura
poema inédito de Marcelo Reis de Mello
63
Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
Enfrentar a selva escura
do sangue – este nosso
rh negativo
sem barqueiro sem Beatriz
não é tarefa trivial.
Ramiro, meu analista, que o diga.
Mas pra cada galho genealógico
espera, pacientemente, um machado.
Como este que em teu nome – Antero Machado
corta, toda vez que assina, a família.
Sessenta e três não é tudo
e, no entanto, é muito
se consideramos que cem é uma meta quase impossível.
Ter de ver envelhecer de longe esta árvore
não foi a escolha mais fácil, ainda não é.
Talvez apenas o jeito de encontrar
em meu próprio nome, mais parecido a um martelo
afiação que segue.
Desculpe, isso já vai ficando metafórico demais.
Queria que se parecesse mais a uma carta vinda de longe
do que a um Quintana deixado embaixo do travesseiro.
Se pudesse escreveria algo como o longo lindo início
de A Morte do Pai, do Karl Ove Knausgård:
para o coração a vida é simples:
ele bate enquanto puder.
E riríamos juntos da obviedade escandinava.
Se o seu câncer tivesse prosperado
e você estivesse mijando por uma sonda
bastaria copiar à mão
numa folha do seu próprio receituário
os versos que o Dylan
dedicou ao velho:
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.
Dramático, mas irretocável.
E se você insistir em fumar
porcarias mentoladas
e uma metástase de repente fizer colônia
na sua bexiga, já deixei preparado
para o momento mais solene
do velório, numa capela com cheiro
de flores enjoativas
A Tempestade shakespeariana:
Full fathom five thy father lies
Of his bones are coral made;
Those are pearls that were his eyes
que eu traduzi (está no meu livro Elefantes...):
Muitas pás sob os seus pés repousa seu pai;
Dos seus ossos cresce o coral
E pérolas do que outrora foram seus olhos
Palavras palavras
mas o que mais poderia eu lhe dar?
Talvez a memória de outras palavras
enterradas e desenterradas
um século depois.
Talvez os fósseis catados num barranco
à beira do hospital psiquiátrico.
Talvez a última respiração do seu próprio pai
enquanto você lhe dizia ao lado da cama
que morresse bem
que os Mello sempre souberam morrer
e ele morreu, em seguida.
Talvez o último lampejo de lucidez da sua mãe
do qual só nós dois fomos testemunha
a palavra Julia dita como um mantra
vindo das cinzas da Montanha Mágica:
Lembrar o nome da mãe de um escritor alemão
enquanto mergulhava em morfina
para suportar os ossos se tornando cal.
O que mais posso eu lhe dar
neste seis de janeiro de 2023
senão um pouco do que nos separa
E do que nos repõe um pouco
a partilha dos mortos
a nossa morte
Que só a palavra nos põe em contato com as coisas mudas
pai, meu pai:
Algum silêncio há de bastar, enfim
para ser, entre nós, adiado.
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Marcelo Reis de Mello (Curitiba, 1984 - Rio de Janeiro) é poeta e professor de literatura. Publicou, entre outros, José mergulha para sempre na piscina azul (Garupa, 2020, finalista do Prêmio Jabuti).
E-mail: m.r.mello@hotmail.com




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