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O que sustenta o Rio

Atualizado: 30 de abr. de 2022

Fotografias de Joelignton Rios (texto de Rayssa Veríssimo)




Rio contraste




O que sustenta o Rio



O Rio de Janeiro está em questão no cenário artístico: embora muitos se esqueçam de olhar para além da Capital, alguns artistas têm criado estratégias para lembrar que o Rio é muito mais do que a vista do Cristo pode alcançar. Neste movimento, constroem-se perspectivas que encaram a realidade e escapam da visão do trauma, como feito por Joelington Rios, artista nascido no quilombo Jamary dos Pretos (MA, 1997), que provoca a estrutura da “cidade maravilhosa”. Na série “O que sustenta o Rio”, ele constrói um corpo-cidade a partir de intervenções no retrato daqueles que sustentam anonimamente essa estrutura: conserva-se o rosto e opera a cabeça. Esta interessa ao artista por ser a fonte das emoções, do cansaço e, assim como para os Yorùbá, da identidade. A cabeça é o Orí, criação de Ajàlá, parte mais vital do corpo humano, compositor da personalidade humana e depositório do destino. É pela cabeça que Joelington desvela o sujeito do título, dando fisionomia ao que é interrogativo. O artista desloca os símbolos do Cristo Redentor e Pão de Açúcar para construir uma outra imagem da cidade. Assim como a angulação da fotografia, contempla-se não mais a vista do topo que apresenta a Baía, mas o olhar de quem está embaixo. Desta forma, Joelington transforma a estética da beleza e opulência para instigar um imaginário simbólico que observa seus contrastes sociais. Para uns, isto não é novidade, apenas representação de um cotidiano. Para outros, isto é a obrigação de enxergar o que não é seu espelho. Ao mostrar os rostos, a fotografia se torna uma ferramenta de identidade dos grupos marginalizados, observados pelo artista como pessoas negras que sustentam a cidade. Assim, Joelington ao mesmo tempo age sobre o indivíduo e o coletivo. Ao alternar-se entre o retrato da pessoa e a paisagem da cidade, coletiviza-se um corpo, construindo a imagem de um corpo-cidade. Por outro lado, o olhar separado e atento a cada um também provoca uma individualização. Apesar disso, a imagem não recai sobre o clichê da fotografia de passe, aquela objetiva e supostamente neutra em 3x4. Com diferentes enquadramentos, Joelington não busca o documento de identidade, mas a singularidade diante da câmera. Possuindo diferentes fundos, sua fotografia é em preto e branco,algo que desencadeia um jogo de poderes através das manipulações de luz e sombra. Como explicado por Mauricio Puls, em “Cor ou preto e branco? Razões de uma escolha”, enquanto a cor evidencia o real, o P&B afasta-se dele para delatar injustiças sociais e demandar uma intervenção do espectador, através da gradação da escala do cinza, que é composta por uma dialética entre opostos, isto é, entre a luz e a ausência dela. Além disso, a fotomontagem se alterna entre o retrato e a paisagem. Como há um encaixe harmonioso entre o topo da cabeça e o símbolo carioca, temos a sensação de estar vendo um retrato, esquecendo-nos de uma linha horizontal que divide a imagem e traz outras incógnitas. O gênero retrato, de acordo com Puls, em “Retrato ou paisagem? Ou: Por que giramos a câmera?”, possui uma linha horizontal compacta, uma predominância do corpo sobre o fundo e um formato vertical que realça a figura, demandando uma leitura visual de cima para baixo. Neste sentido, o encaixe harmonioso revela um caminho do olhar que se completa tal como costumamos fazer socialmente, ou seja, tal como percebemos simbolicamente as estruturas de poder que se mantêm hierarquicamente, quase como são construídos os prédios da mais alta escala financeira. O artista leva-nos a essa leitura vertical descendente, saindo da cabeça para o tronco; do mais glamouroso à base, através de uma linha horizontal que junta as duas imagens e separa as realidades, no mesmo movimento ínfimo que acontece socialmente. No entanto, essa mesma linha é o que nos faz perceber que há uma paisagem além do retrato. Sobre esse gênero, Puls explica que ela favorece a narrativa de ações, ao contrário da descrição de relações feita pelo retrato. Além disso, a paisagem também põe a imagem numa linha infinita para ser lida da esquerda para a direita.



Mari



Assim, percorremos de forma múltipla as imagens da série para primeiro compreender o sujeito do título e depois fabular sobre seu percurso, colocando-nos em estado de deambulação tal como Joelington anda pela cidade, atento a diferentes questões e latente aos questionamentos, como aponta Herkenhoff, em “Rio XXI – Vertentes Contemporâneas”.



Saída de candomblé



Enquanto o Rio de Janeiro opera em nosso imaginário a partir de um simbólico glamouroso sustentado por fotografias que velam os indivíduos sob os pés do Cristo, Joelington desvela a face de quem é o alicerce do luxo, através do retrato, e reconhece o algoz através da clássica fotografia da paisagem carioca. No entanto, o retrato não se restringe ao humano e a paisagem à cidade, cria-se na verdade, um retrato único de um Rio de Janeiro alimentado por suas dialéticas sociais, um corpo-cidade.



Quem sustenta o Rio



Com a intervenção sobre o topo da cabeça e com as escalas de luz, ele nos traz uma leitura quase metalinguística sobre as estruturas de poder, sem precisar insistir no discurso do trauma, produzindo uma reflexão através da transformação do símbolo carioca.



Gabe&Matheusa


Rayssa Veríssimo é curadora, crítica e pesquisadora em formação no IART-UERJ. Foi editora executiva da revista Concinnitas e pesquisadora FAPERJ do projeto de iniciação científica "A pesquisa em Artes Visuais nas revistas acadêmicas". Atualmente é Colunista da plataforma Acrítica, atua na educação do Instituto Casa Roberto Marinho e coordena o projeto "Arte & Profissionalização", uma iniciativa que deseja promover oficinas e debater sobre a dificuldade de trabalho e formação em Artes.




Bahia



Nascido no quilombo Jamary dos Pretos, em Turiaçu/ MA, 1997, Joelington Rios é quilombola e artista visual. Estudou na Escola sem Sitio com Pollyana Quintella, Efrain Almeida e Cadu. Estudou fotografia com João Roberto Ripper na escola EFOCO. Atualmente, ele trabalha e mora entre o seu Quilombo no norte do Maranhão e no nortedo Rio de Janeiro, onde desenvolve pesquisas no campo das artes visuais. Rios combina diferentes técnicas e práticas artísticas, misturando fotografia, vídeo arte, performance, arte sonora, escultura e instalações. Sua pesquisa tem como objetivo revelar outras corporalidade

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