por Ana Luiza Rigueto
estudando o trabalho
uma formiga atravessa o gramado
o céu anoitece
degradê de fogo
clarinho das bocas
o chão duro espeta
troncos de mulheres
a formiga mínima espeta
a grama o suor espeta
a pele pinica a pele da grama
que gruda na pele
das mulheres
no jardim
as chamas se alastram
pouco
tem mais céu que fogo
mais céu que nuvens
no jardim
local dos pequenos
passeios e incômodos
uma formiga atravessa
o gramado e assobia
como se zombasse da pose
das pessoas na grama
o público
está distraído
com as cores caindo
do céu caindo em chamas
azuis fazendo fogo
o público
está sentado
sobre o canteiro de obras
das formigas que cavam
passagens, túneis, avenidas
enquanto cantam, assobiam
e chamam a noite
o público
não se dá conta
que anoitece pelo trabalho
das formigas
pelo ruído soterrado
das formigas discretas
que vez ou outra se cansam
e mordem mãos e pele
vez ou outra se esquecem
e mordem para saber o gosto
dessa superfície de poros e pelos
e cospem com desprezo
porque não era grão nem seiva
e prometia ser doce
as formigas
não conhecem o fogo
são estetas e nas férias
coletam o escuro das folhas
para dormirem à noite
anoitece, anoitece
as formigas
com seu trabalho cavam
e veem erguerem-se as estruturas
de prédios, museus, colmeias,
futuro
imaginando pomares, lavouras
imaginando outro dia, outro bairro
sob alguma música lenta
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