de Sérgio Ortiz de Inhaúma
Valdênia levantou-se numa tarde de sonhos repentinos crepúsculo açoitando as lajes, desapropriada de mundo. O Ssubúrbi0 deitava sobre o horizonte, plano espelhado sempre, fogo espraiado reluzente. Acordou esquecida de tudo, as horas fora de hora, sentiu um amanhecer de vida descompassado, renascida mastigando trovões sob a sombra de uma amendoeira. A velha lhe passa uma esponja úmida sobre seu semblante, embebida em vinagre e seiva de mangueira, está tudo bem agora, as cascas de insetos mortos fervilham em seu paladar. Valdênia sente o gosto de tapeçarias de Reis Solares, o gosto de terra revirada para o plantio de indigentes. Os mosquitos se reproduzem pela noite, larvas daninhas, na quentura chocada pelo verão de dia, deixada entre os vãos. Não depilou pernas sovaco boceta nem ossos olhos para correr o risco de morrer. Limou a lâmina na quina do meio-fio, com candura e precisão, passou-a entre a epiderme e a carne do feto que teve por um descuido, destacou a pele, carne-viva se desabrochando pro mundo. A velha Josefa esperando o Rei vir do outro lado do morro, galopando sobre um touro-bumba despontando por entre os coités maduros, onde sibila a noite farta de vaga-lumes.
Trecho do livro, Valdêniagô, de Sérgio Ortiz de Inhaúma, lançado em 2020 pela Editora Urutau.

Sérgio Ortiz de Inhaúma é nascido e criado na Vilarrua Acorizal, em Inhaúma, Império Barroco-Macumbeiro, Çubúrbio do Rio de Janeiro. Torce pelo Mengão, Mangueira e Império Serrano. É autor de Zona da Mata Eletrônica (Editora RBX, 2011), A Guerra de Plástico (Editora Oito e Meio, 2015), Dioilson (Editora CLAE, 2017), Jaína-máquina Divino (Editora CLAE, 2019), Yjá,Ygê (Independente, 2020) e Valdêniagô (Editora Urutau, 2020).
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