por Leonardo Marona (colunista convidado)
"A morte não é magrinha", o novo livro de poemas de Italo Diblasi (Garupa Edições, 2021)
Queria ser capaz de escrever este pedaço de prosa sentimental, do início ao fim, sem citar Italo Diblasi, sem roubar dele uma beleza específica que deixe minha escrita mais bonita. Seria injusto, porque é de um lugar mais feio que escrevo. Gosto dos poemas do Italo justamente porque eles são, em sua quase totalidade, mais bonitos do que eu. E também faço isso em nome da preguiça. Porque sei que essa preguiça a que me refiro também está na beleza que o Italo sempre nos apresenta. Essa ideia de se deixar fundir com a natureza ao redor, com as coisas ao redor, mesmo as quebradas ao meio. Virar a camisa do avesso quando está suja. Comer o absurdo como quem come um pudim. Então é assim que eu quero falar sobre A MORTE NÃO É MAGRINHA, seu novo livro, saído agora em caixa alta pela GARUPA EDIÇÕES: a mais nova, ainda grávida talvez, “mãe da poesia órfã carioca”, que tem nascido, como sempre, a fórceps.
Assim tenho mais um motivo para fazer deste um texto curto. Afinal, quem quiser se sujar com essa beleza de velho-sábio-adolescente, tem mais uma vez a chance de ir direto à fonte. Eu vejo assim o Italo e a poesia que ele faz, com que ele vive, com que ele morre: uma fonte interminável que pinga no musgo, devagar e sempre. Sem se alterar. Verdadeiro impávido colosso, que também não foge à risada mais íngreme. Tenho sempre no que Italo escreve – e sei que não sou o único – uma espécie de “manual para não se morrer sem ar” ou, quando é impossível não morrer, um “manual para se morrer lindamente sem ar”. Vejam bem: pode até parecer, às vezes, mas os poemas (sobretudo os poemas-crônicas) do Italo não salvarão ninguém de si próprio. Eles não salvam a ele mesmo, que ninguém se engane quanto a isso. Eles tomarão, isso sim, a forma da maior paixão no momento do contato, seja vital ou mortal, e darão a esta força uma beleza única de ser. Eles deixarão nossas escolhas mais bonitas, sejam quais forem.
Parece-me interessante imaginar que, lá atrás, em 2016, o primeiro livro do Italo, O LIMITE DA NAVALHA, também pela Garupa, já era como uma caixa de pandora que se arreganhava no meio da nossa fuça. Foi com ele, lendo seus poemas nos botecos e na pele de rebordosas monstruosas, decorando seus poemas e me cansando de ouvi-los na boca do próprio Italo, sempre italianíssimo nessas horas, com o dedo em riste pulsando versos como cusparadas em nossas faces entorpecidas de amor e drogas, foi dessa maneira que pude passar, aos trancos e barrancos, pela avalanche de desespero que foram os anos de lá até aqui. Eu tenho a romântica impressão de que, sem o Italo e seu primeiro livro, teria sido mais difícil passar por tudo que passamos nessa água dos afogados, que foi esse nosso triste tempo de maturidade forçada. É que eu vejo o Italo como uma espécie de âncora flutuante. Então, por cinco anos, tivemos uma âncora de entrega total acoplada ao nosso espírito temerário, para flutuar por sobre as torres em queda da nossa esperança magra. E, agora que todas as torres caíram, teremos, em seu livro mais novo, uma forma de procurar nosso amor entre os escombros, ação que tem no poema “uma dose de serotonina” um mantra geracional.
Isso porque a própria existência do Italo é como um tubo de fôlego para a poesia em si. Por ora, esse tubo tem tido a duração de cinco anos. O fôlego dos cinco anos passados estava já por um fio – pois nós, que somos poetas “no país dos imbecis”, sabemos exatamente tudo que perdemos de lá para cá, nós que já não tínhamos quase nada, que estamos prestes a pular das janelas. Agora eu me sinto – diante deste novo fôlego encarnado em poeta que se move ou que fica parado, animal reptiliano que dorme com um olho aberto e nunca se mexe enquanto sonha acordado – como um paciente terminal que ganha um beijo de ar da morte na boca moribunda suplicante. Porque, aqui, entre as pessoas estranhas que enxergam na poesia uma comida, mesmo que indigesta, Italo traz um banquete de sobras dignas de nós, que somos os lixeiros do nosso tempo. Italo e sua poesia são sempre em preto e branco, como algo feito dentro de um filme antigo que amamos e do qual sempre nos esquecemos. Uma poesia que nos lembra de que este, que esquecemos, é nosso filme essencial.
Os poetas Italo Diblasi e Leonardo Marona, 2019
Leonardo Marona nasceu em Porto Alegre (RS), em 1982. Autor prolífico, estreou na literatura em 2009, com os poemas de Pequenas Biografias Não-autorizadas. Desde então, seguiram-se mais cinco títulos de poesia — L’amore, Óleo das Horas Dormidas, Herói de Atari, Uma Baronesa às Quatro da Madrugada e Baby Buda, que acaba de ser lançado pela Corsário Satã —, o livro de contos Conversa com Leões e os romances Cossacos Gentis, Dr. Krauss e Não Vale Morrer, pela editora Macondo.
Para comprar o livro de Italo Diblasi acesse: leiagarupa.com
Comments