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Um passeio no Centro Cultural São Paulo: a música negra é que domina e dá o tom

por Pérola Mathias






Não é só o ato de ouvir música que te faz ficar por dentro dela. A música, como linguagem, está presente em diversas outras formas de expressão tanto da arte, quanto da realidade. É assim que, ao passar pelo Centro Cultural São Paulo no final do mês de julho, sendo convidado a entrar no espaço pela forma mesma de sua arquitetura, integrada à rua e aberta quase que imediatamente a quem passa pela calçada, universos musicais diversos se desvelaram ao público mais atento.


Já no piso térreo foi - e ainda é - possível ver três exposições. A primeira está disposta no chamado “corredor da dança”. O nome não é por acaso, mas foi dado (a pergunta é só: quando?) porque ele, estando de frente para um paredão de vidro que com os reflexos solares se tornam espelhados, é ponto de encontro de diversos grupos de dança - desde o break até dança de salão, passando pelo fit dance, funk, dança contemporânea etc. O espaço quase nunca está vazio. Sua ocupação oscila com o horário e o dia da semana, mas sempre tem alguém dançando ali com sua caixa de som ao lado. Pois… na parede convexa de concreto que se opõe à divisória de vidro, está uma série de 10 fotos de Fernanda Souza, artista, jornalista e educadora do Grajaú, uma das principais vozes no que diz respeito ao funk hoje. Sob o nome de @correrua_ no instagram, ela registra o baile como evento, festa, comportamento, atitude, estética e visual.





As fotos de Fernanda vão além do momento do “fluxo”. Ela capta rostos e cantos das quebradas por onde passa. Seu olhar dá conta de criar um universo próprio sobre as culturas das favelas - no plural mesmo, porque nenhuma comunidade é igual a outra. São pessoas de idades variadas, com estilos distintos. As donas da venda, as meninas de moletom, a mina na moto mostrando um sorrisão ou a que está no baile de cropped azul do Brasil. Tem o destaque do baile de cabelin na régua e óculos juliet, contrastando com o bróder de costas ao fundo, sem camisa, mas com o amor ao time estampado na pele. Tem trabalho também - o menino que chega no balcão da lavanderia trabalha ou foi retirar uma peça especial? Talvez a autora da foto saiba, mas para nós espectadores o mais atraente é entrar junto com ela num dos comércios locais. A roda lá também gira, sendo viva ou não. E tem marra. E tem graça.


Seguindo no térreo até o piso Flávio de Carvalho, o caminhante passa pela intervenção “SP TERRA INDÍGENA” até entrar dentro do espaço expositivo. E, então, lá está a mostra do recém criado MU.ITA, o Museu dedicado à memória de Itamar Assumpção, que ocupava antes o Centro Cultural da Penha, onde foi inaugurado junto da estátua do cantor. No CCSP, a expografia é um pouco diferente. O orquidário é menor e mais contido, mas a viagem pela trajetória de um dos principais e mais potentes nomes da música independente, negra e brasileira está ali.





E se há problema quanto a definir Itamar e sua música, ele mesmo resolve: “Sou Afro Brasileiro Puro”, a curadoria resgata o verso de “Cabelo Duro”. O texto da equipe é assinado por Ana Maria Gonçalves (autora de Um Defeito de Cor), Anelis Assumpção (filha), Frederico Teixeira e Rosa Couto (socióloga, pesquisadora e musicista). São poucas fotos, mas elas existem: desde a infância em Tietê, atuação no grupo de teatro em Araponga (PR), apresentação em Londrina (PR), o Lira Paulistana, apresentações na sala Guiomar Novaes na Funarte, Festivais de Música etc. Os companheiros de foto? Isca de Polícia, Arrigo Barnabé, Suzana Salles, a filha Denise Assumpção, a banda femina Orquídeas. Tem também os objetos que, quem não chegou a acompanhar Itamar enquanto ele era vivo ou que sequer era vivo na década de 80, tem só como referência: os óculos escuros e a jaqueta bordada com o nome da banda.


No centro, alguns documentos e mais fotos. Cadernos escritos à mão, a certidão de casamento, os filhos, amigos como Jards Macalé. O bairro da Penha é ressaltado em um mapa que assinala os principais lugares que Itamar frequentava ali: sua casa, o clube de bocha, o centro cultural, o mercado, Nenê da Vila Matilde e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (que fica em frene ao Centro Cultural). A viagem no tempo e no espaço desemboca, na saída da montagem, em dua pinturas de Daniel de Paula. Do lado esquerdo, Serena, a filha de Itamar falecida em 2016; do outro, ele próprio. Ambos pintados sob um fundo azul claro com cabelos dourados. Dois anjos? Dois santos? Talvez em texto a descrição soe qualquer coisa, mas ali é como se ascendescemos a algum lugar com aquele contraste e brilho.





Do outro lado do vão, no mesmo piso, a exposição LANCE mescla obras de artistas internos ou em medidas socioeducativa da Fundação Casa com nomes conhecidos do cenário da arte contemporânea. De cara, uma fotografia de Aun Helden, artista transdisciplinar que desenvolve a criação de novos imaginários sobre o corpo. Mas tá, o que isso tem a ver com música? Primeiro que o som e o corpo estão intrinsecamente relacionados, mas também porque Aun Helden é uma figura conhecida nas festas techno da cidade de São Paulo, já tendo se apresentado em diversos outros lugares e seus próprios trabalhos se integram à música. Em outra parede, uma ilustração de Yuli Yamagata de três milhos dançantes traz as palavras-título “Breakdance Breakfast” (2019).


O CCSP é um dos espaços públicos mais interessante e agradável da cidade de São Paulo. E além de toda programação e do espaço a ser fruido, quem quiser saber como ele surgiu, como foi feito o desenho de sua arquitetura, a preparação do terreno e etc, também tem uma exposição que conta em detalhes, com vídeo e tudo.







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