por Flávio Morgado
Durante todo mês de dezembro (2021) foi realizada a oficina de poesia "Alugo a sua raiva", ministrada por Flávio Morgado. Dividida em quatro aulas, em que cada aula partia de um poeta-fagulha, a oficina propôs a cada aluno um exercício poético em relação às aulas. Uma seleção dos poemas foi feita pelo professor e aqui será apresentada.
Gostaria desde já de agradecer a cada aluno. Foram encontros lindos!
Tudo é calmo e sagrado
Em flor de Lótus
um monge sacra em chamas
Fogo chupa em frações de segundos
eternizados tempos à fio.
Em flor de Lótus
um corpo clama em chamas
sem se mover sem suplício
O som do fogo lambendo o corpo
em estado meditativo
Nas retinas nas lentes
florestas inteiras incendeiam
testemunham matéria em ato
brutal devastação
Em Lótus
promessa de pureza e elevação espiritual
símbolo de elegância, graça, perfeição
Carcaça cai pra trás cai por terra
Diz que o coração ficou
[intacto, embora não invicto
Órgão sem corpo
desencadeia um movimento
desritma a Orquestra?
Dana-se a chama.
(Letícia Palmeira Martins, Rio de Janeiro - RJ)
______________________
frontal
a manhã acende uma ordem clara
desvairada fumaça
sonhei que ao te cumprimentar
chupava um por um
dos seus cinco dedos
mas quem me lambe
as virilhas,
as feridas?
farta e indigesta
não faço por onde
vingo cada buraco quente
agora só
ingiro o que ocupar meu lado de dentro:
fermento, açúcar e bacon
faz de conta que amo de volta
um cavalo inteiro, assim imenso
e meu desejo como um touro
meu corpo todo
um abalo
(Maria Olivia Aporia, São Paulo - SP)
______________________
Desejo tua carne e teu osso
Entra em mim e me dilacera, porque
A manhã acende uma ordem clara
E meu desejo como um touro
Vai em sua direção
E você desvia
De todo o poder
Que existe
Em nosso sexo
(Leonardo Lamim, Tocantins - TO)
____________________
Tirei um tarô com Sylvia Plath
A papisa se levanta depois do rito:
uma oração, dois orgasmos.
Embaixo de seus panos melosos
tudo é sagrado e tem brilho de lua.
Ela toma vinho para cuidar do coração,
os médicos dizem, minha tia avó jurava
que suco de uva era mais barato
e você só fica bêbada se misturar
a receita, 3 dentes de alho
4 comprimidos de lexotan tragados
com um golinho de cerveja.
O oráculo menstrual avisa:
pensamentos felizes, você positiva.
Meu ex nunca passava manteiga
do lado certo do pão
nem tirava a terra
dos dentes dos cogumelos
o cheiro do nosso protetor solar
lembra aquela água estrangeira,
não posso mergulhar de cabeça
que um raio me queima
as medusas rebolam,
cabelos algas enguias,
tentáculos, tornozelos,
ela virou,
tudo é calmo,
estou pendurada.
(Yeza Lojo, Granada - ESP)
______________________________
!
me acostumei por tanto tempo com os estalos da madeira
pegando fogo
nunca tive que me despedir de ninguém
na minha vida as pessoas vão
voltam
vão de novo
e eu prefiro o tesão de conhecer ao de lembrar
uma hora eu pago o preço 25 anos não é nada é o que insistem em me dizer
mas eu me acostumei por tanto tempo com esse som que
nunca parei pra pensar
se é o som do fogo
ou da madeira
e qual será o timbre dos ossos estalando
(quanto tava o litro da gasolina em saigon?)
a frieza em preto e branco
da imagem eternizada de um homem em chamas
imóvel impassível incoerente inacessível e
inebriado
não posso conceber um suicídio sem gota de arrependimento
sem um vazio sequer que permita ao corpo espaço e tempo para um mísero
espasmo de medo
não é possível
que inveja sinto desse homem sua convicção seu comprometimento
a morte mais digna da história com agá das fotografias
pra onde vão os suicidas budistas
onde tudo é calmo e sagrado
(João Pedro Medeiros Moraes, Rio de Janeiro - RJ)
________________________
borboletas
só uma vez na história
os torturadores foram executados
os cães lamberam o sangue
dos burocratas do crime
sem perder de vista o sequestro das tardes
a alergia a morte
os beijos assanhados
o fôlego extasiado
a manhã e os vãos da terra
só uma vez na história e nada mais
comunistas com bandeira ou sem
continuam engordando e emagrecendo
num ritmo desenfreado
corpos de fuga
quando um boi morre, todos os outros choram
não há boi salvador da pátria
nem inteligência alguma que
cerre o trem bala
(Laís Cavalcante, Rio de Janeiro - RJ)
Um prazer ter participado da oficina. 😍