Paixões bélicas I e II
dois poemas de Juliana Thiré de Negreiros

I
A gente é um bicho que nasce
Pra sentir que pode
Sentir que pode é excitante
Tão bonito é excitante
Tão bonita é a guerra até não ter mais quem sinta
O terreno baldio é agora
A nossa grande véspera
É nesse descampado
Que a gente volta a imaginar
Nossa torre em construção
Tal e qual demolição
A paixão não arrebata o corpo da gente
assim, concretamente?
Veja eu tô desfigurada
É uma aposta de tudo ou nada
Tem que ser um jogo grande
A gente é um bicho que nasce
pra jogar um jogo grande
***
II
toma teu pai e tua mãe de volta
o tango e o maxixe na cadeia
o funk na cadeia
o funk na propaganda do banco
dercy gonçalves chocolate no cu
o linchamento tão bonito
que dá vontade de vomitar
veja bem os meus testículos
de cada ovo nascerá um novo pinto
gritando de medo
um dia quem sabe
A SUA IDADE
A SUA ATRIZ
A SUA VIDA TÃO BREVE
seu silicone
seu piercing no mamilo esquerdo
300 famosos, um mês
cada um em uma aldeia indígena
com seus social media
chamamos uma produção de cinema
essas equipes fazem tudo
e produzimos esse mês
famoso é um bicho
maior que a bomba atômica
mais alto coro trágico
mais alto porra
bebe no mato
rola na selva
leite com mel
arrebenta cabrito
corre grita pelas abelhas
quero lamber o cu de vocês
esse momento retornará
eternamente porra
tchá tchá tchá
esse prédio vai cair
o engenheiro já disse
por causa do jiu jitsu do andar de cima
resta saber quando
podia ser agora
com a força do poema
dona norma dona dora dona rita
mariinha antonieta
nota nervosa
não narrar nada
professora me perdoa
só anotei as frases bonitas
e não vou citar ninguém
que contexto é o nosso professora?
por onde devo começar?
o artista é um projétil, professora?
o artista é uma âncora?
juro que não estou delirando
estou fazendo feijão
(o coro dos soldados-músicos bebem água)
a porta do céu abriu
caroço na gengiva
minha boceta sumiu
adeus meu benzinho
meu corpinho torto
um dia volto pra te dar beijo no olho
não sei mais me comunicar
maldita mãozinha
açoitando os germes do drama
dancinha escrota
louvando a fita crepe
fale baixo fita crepe
estamos num museu
meu cavalinho astronômico
meu passarinho canalha
meu anjinho vesgo
um beijo na minha trombeta
só um beijo na minha trombeta
eu e você de alma aleijada
eu disse aleijada
profissão amador
discurso falho expressão confusa
sou um flamingo saltitante
um suspirinho
um que enraba o outro
sou uma galinha esquartejada
fui usada como bola de futebol
sou um coro de freiras gemendo
urgh argh orh
relinchando e tossindo
é o que faço
infarto simulado
cuspindo no ouvido de um crente
depilando minha cadeira
esbarrando na bailarina
bailarina alucinada
alucinada e malpaga
mareada mareada
pirraça no velório
esgrima de sabão
sabão na boca do cantor
doença do sono
na stripper do cinema
gatinha no cio - que dó
quer cruzar com a batuta do maestro
por que você não se ofende
com toda essa baixaria
quem tem cu não faz milagre
quem com ferro fere bonito nos parece
antes pau que nasce torto do que nunca
bom entendedor farelo come
as aparências tem medo de água fria
você viu minha bocetinha?
diz alguma coisa
vai ficar me olhando sua imunda?
não tens uma lágrima?
são esses hormônios que você toma
hormônios que dão para cavalos
não faz um careta?
já viu professor apanhando?
é bárbaro
bárbaro!!!
ataque de pânico me deixa
eu me controlo sozinha
fico aguentando até passar
recepção de evento recepção de evento
pau no cu do meu lamento
está satisfeito querido?
está satisfeito meu bem?
pois vamos fazer uma peça aqui dentro
do lado de fora muita gente faminta
fechamos a porta e fazemos a peça
temperamos com esse conflito
e comemos com muita vontade
eu sento num barco furado
me amarro na cintura de um cavalo
me arrasto no curso do cavalo solto
dopada numa canoinha
canoinha à deriva
vou correr pra entrar no tornado
atrapalhar as manobras do exército
beijar um aviador russo novinho
vem meu novinho gostoso
ouve a prece da irmã do bom-conselho
deixa teu corpo pras aulas de anatomia
estudantes de medicina só os de baixa renda
cortando sua pele te vendo do avesso
imagino a frança como um sítio
na serra do rio de janeiro
lembrancinha de hotel
no hotel uma surpresa
alguém muito cheiroso
bem na virada do século
vai parar o trânsito
rasgar a própria blusa
baixar as calças e girar o próprio pinto
dizendo um poema bonito
quero fazer um comercial
me chamaram pra fazer
a voz da campanha de claudio castro
veja bem eu não tenho esse alongamento
milícia ou quilombo
é uma questão de organizar a torcida
blem blem blem blem
sino da procissão
convocando pra revolta
e a revolta se volta de novo em procissão
não aprendi nada sobre os indígenas na escola
você também não ô citadino maldito
para de fingir
repetir cartaz
ou transforma logo esse desterro
num kilombo-aldeya de uma vez
ou vai passar a vida dizendo
to cansado
cansado nada
cansaço mesmo deixa a gente mudo
urra marra berra birra
meus netinhos meus carangueijinhos
minha madeirinha podre
meu girassol murcho
meu porto destruído
meu pobrezinho
meu bebezinho feio
meu elefante brocha
bebê feio e cheirosinho
no banho de quatro
com a água batendo na bunda
a água do mundo acabando
já não falo mais essa língua
pitadinha milagrosa
já disse que vou embora
meu palquinho sumiu
da última vez estava na mira do fuzil
que acordo insistente
pau corda e baixaria
cuica chorando muita maresia
cantando em fileira o hino da caveira
com a mão no coração
faz uma cova bem miudinha
que não caiba ninguém e se acostuma
se acostuma se acostuma
pega essa merda e arruma