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Eu ia falar sobre o 13 de maio, mas decidi falar sobre amor

or Pâmela Carvalho*


Ser preto no Brasil é andar na corda bamba o ano inteiro. Mas os meses de maio e novembro são especialmente desafiadores para pessoas pretas. Em novembro, temos o dia da Consciência Negra. E maio é marcado pelo dia 13, quando legalmente acaba o regime escravocrata no Brasil.


As redes sociais são atravessadas por debates acerca da figura da Princesa Isabel, da importância dos abolicionistas negros e da necessidade de uma revisão historiográfica que reforce que o 13 de maio é apenas o marco simbólico de uma abolição inconclusa.


Como historiadora e educadora negra, me sinto impelida a discutir esses temas em maio, mesmo que já o faça durante o ano todo. Mas a escrita é também um exercício político. Um movimento constante de criar narrativas entre o desejo e o peso. Entre o eu e o outro. E nesse movimento, faço a microrrevolução de, enquanto a mulher negra que sou, fazer o que eu quero.


Entre 1969 e 1972 o intelectual e ativista sul-africano Steve Biko escreve cartas, tratados e diversos textos que reunidos se tornam o livro Escrevo o que eu quero. Biko revoluciona a relação expectativa-realização que recai sobre intelectuais e ativistas negros ao escrever e publicar aquilo que desejava. E não aquilo que desejavam para ele. E assim como Biko, hoje escreverei o que eu quero. E hoje quero falar sobre amor.


Pablo Vinicius e Pedro Henrique, meus irmãos em sua forma mais genuína de amor.


O amor ainda é um assunto delicado de ser tratado em comunidades negras. E precisa deixar de ser. Esse é um primeiro posicionamento político que deve ser proposto. Os traumas da escravidão associados aos processos psicológicos e físicos de desumanização do indivíduo negro afastaram o amor de nós. Núcleos familiares e famílias estendidas foram destruídas, homens negros foram tratados e vendidos como reprodutores, mulheres negras foram estupradas e tiveram seus filhos roubados de seu colo… O racismo destrói o primeiro ciclo de amor conhecido em nossa sociedade: a família.


Em sua caracterização contemporânea, o racismo continua investindo no desamor. Os ataques a autoestima de pessoas negras, o genocídio dos jovens racializados e a exclusão do mercado de trabalho nos colocam em um ciclo de auto-ódio constante.


O ódio está à mesa. Isto posto, é necessário falar e viver amor. Segundo a teórica, professora e escritora bell hooks, amor é ação. Muito mais do que o ideal romântico que vemos em filmes e novelas, o amor é uma posição política. Por isso, requer compromisso consigo e com outrem. Olhar para o amor é olhar para si. E se deixar olhar de volta. Esse é um dos entraves para o amar-fazer em uma sociedade racista. Não fomos ensinados a nos olhar. Assim, não fomos ensinados a nos amar.


O amor é espelho, como aquele carregado por Oxum. Revelando a nós nossa face mais bela, mas mostrando também raízes profundas que por vezes preferimos ocultar. Desvelar essas raízes enquanto indivíduos e enquanto comunidade é uma ação que deve ser cultivada e semeada, sendo entendida como ferramenta política numa sociedade permeada por racismo e desamor.


*A partir desta 17ª edição damos as boas-vindas à Pâmela Carvalho, colunista e curadora convidada da Seção Bônus nas próximas três edições.


Pâmela Carvalho é educadora, historiadora, gestora cultural, pesquisadora ativista das relações raciais e de gênero e dos direitos de populações de favelas. É Mestra em Educação pelo PPGE/UFRJ, onde defendeu a dissertação “Eu piso na Matamba: Epistemologia jongueira e reeducação das relações raciais”. Foi bolsista do Projeto Personagens do Pós Abolição e faz parte do grupo de pesquisa Intelectuais Negras/UFRJ. É coordenadora do eixo “Arte, Cultura, Memórias e Identidades” na Redes de Desenvolvimento da Maré. É fundadora do Quilombo Etu, coletivo que trabalha a cultura popular a partir de uma perspectiva de educação antirracista. É moradora do Parque União (Conjunto de Favelas da Maré).




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