por Pérola Mathias
O cantor João Gomes. Divulgação
Um nome se repete a todo momento nos cadernos de cultura, sites de música e nos trend topics do Twitter: João Gomes. Pernambucano de 19 anos (ou seja, ele já nasceu nos anos 2000!), estudante do curso técnico agrícola do IFPE em Petrolina e dono de uma voz única e peculiar (ou, segundo ele mesmo, voz de vaqueiro), ele viralizou no Tik Tok durante a pandemia, chegando ao topo das músicas mais ouvidas no Spotify. Com uma repercussão que ultrapassou – e muito – o sucesso regional, João Gomes foi indicado em duas categorias no Prêmio Multishow (revelação do ano e hit do ano) e conseguiu o feito de ser conhecido no Brasil todo cantando forró eletrônico e piseiro, ritmos que caracterizam as festas nos diferentes estados do Nordeste, como as vaquejadas e o São João.
Tendo surgido como grande novidade musical enquanto ainda aguardávamos a vacinação contra o coronavírus chegar às diferentes faixas etárias, é óbvio que o que todo mundo que ouve João Gomes mais quer é ir a um show dele. E esse foi o principal assunto dessa semana: o show de João Gomes em Mossoró, Rio Grande do Norte. As threads no Twitter com relatos do público sobre o evento foram compilando os acontecimentos com vídeos, fotos, stories etc. – mas já foi esclarecido que nem todas são de, fato, desse show ou de qualquer outro do cantor. As imagens da galera doidona, bêbada, se acabando, lembra um pouco aqueles vídeos de raves que viralizavam há uns anos atrás. Só que naquela época, a galera queria curtir a música, experimentar drogas sintéticas e passava do ponto, ficava querendo entrar dentro da caixa de som, subia em árvore, mergulhava no chão seco etc. Já no show, o que a gente vê é sexo em público, muita gente caindo de cachaça mesmo (vai saber se usaram outras coisas), bêbados cansados parando para descansar no meio da rua etc. A vibe é de um pé na jaca mais do que merecido depois de quase dois anos de pandemia, de shows que só podiam ser remotos e de ídolos que nunca foram vistos ao vivo. Aposto que a maioria das pessoas que gostam muito do fervo pensaram em algum momento “quando isso tudo acabar, vou aprontar muito”. Então, além das risadas e do espanto que o tópico da semana gerou, veio também uma dupla sensação de “deus me livre, mas quem me dera”.
Alguma esperança começou a renascer com a diminuição das mortes por Covid-19 e a consequente liberação para realização de eventos. Como dito ao longo de todos esses meses, a cultura foi, de fato, a primeira a parar e a última a voltar. Na primeira coluna que escrevi aqui para A Palavra Solta, falava do impacto econômico que a crise sanitária geraria no setor, lembrando também que ele é fundamental na geração de renda para os diferentes governos e de empregos. Agora, a questão que me ronda é: com que dinheiro nós, meros mortais autônomos ou até mesmo os CLTs, voltaremos a fazer a roda da economia da cultura girar? A crise é geral e chegou para todos com a pior gestão que já se teve notícia. E se todos incentivos, como os editais, não são priorizados pelo atual governo, como os artistas voltarão a criar? A resposta é: na resistência, como sempre. Mas e o público? Como aconteceu na Espanha não seria um disparate em nenhum sentido lógico, seria ideial que tivéssemos um “bolsa cultura”. Fica a ideia para 2022, porque de onde estamos, não vamos sair até, no mínimo, o 1º de janeiro de 2023, e Oxalá queira que isso aconteça.
Mas, voltando a João Gomes, o fenômeno. Não tenho interesse de tentar explicar ou entender o seu êxito, sobretudo quando se trata de números. Isso me demandaria meses de elaboração de hipóteses. O que quero pontuar aqui é que, além do sucesso viral e a consagração repentina, o jovem tem se mostrado bastante interessante nas entrevistas que dá, tendo consciência que, hoje, a velocidade com que as coisas ganham projeção é a mesma em que desaparecem. Por isso, em entrevista a Silvio Essinger do jornal O Globo, ele disse se importar com a qualidade das canções que escreve, ainda que todas estejam no âmbito do gênero que o tornou conhecido. Preocupado com o que geralmente chamamos de artesanato cancional, ou seja, aquele esmero do compositor em fazer casar letra e melodia, Gomes diz ler muito desde criança e escutar todos os tipos de música.
Dois de seus sucessos autorais demonstram o que ele relatou, “Meu pedaço de pecado” e “Eu tenho a senha”. Nesta, ele disse que escreveu uma oração num pedaço de papel, pedindo que fosse bem sucedido com sua música. E como a fé não costuma faiá, cá está ele, inclusive contando o fato em versos. Os primeiros momentos da música lembram a maior influência da música nordestina, o forró e seus vários desdobramentos: Luiz Gonzaga. João, com sua voz grave e monocórdia, canta: “Levanta cedo pra labuta que eu tô pronto / Eu muito conto com meu Deus que tá no céu / Eu tenho a senha pra correr em todo canto / Humildade e a disciplina dos sermão que mãe me deu”. Mas é tudo muito sobre o agora: “Eu vou, eu vou, colar na vaquejada / Segunda-feira com certeza tô por cá / Pessoal e uma galera animada / Quem gosta de comer água / Tá em brasa a me esperar”. Luiz Gonzaga é uma referência meio óbvia, o cantor diz ter se inspirado muito em outro compositor, que era considerado o “rei da vaquejada”, Kara Veia, que faleceu em 2004.
Já “Meu pedaço de pecado” faz a gente entender a galera dos vídeos que pipocaram como sendo do show de João Gomes em Mossoró, porque é dançante, boa de cantar ou, como publicou o músico e produtor SD9:
Como dizia um meme antigo, não tem nem o que dizer, só sentir – ou melhor, ouvir. E além de suas músicas autorais, ele também tem regravado outros artistas, adaptando bem para o seu estilo, como o também pernambucano Luiz Lins, ou Vanessa da Mata. Então bora lá contribuir com as estatísticas que mantém João Gomes como um sucesso de plays.
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