por Gustavo Gomes
Marcelo Freixo, candidato ao governo estadual do Rio pelo PSB, e Alessandro Molon, candidato ao Senado pela mesma sigla
Voto de opinião é um conceito superficialmente utilizado por boa parte da classe política para separar dois tipos de voto. O primeiro, tido como mais convencional, trata de uma relação próxima entre a entrega de um determinado candidato e ao seu grupo social. Nas alegorias da política, é territorializado, por muitas vezes fisiológico e influenciado, quase exclusivamente, por troca de favores entre os candidatos e lideranças e eleitores. O voto de opinião é tratado como uma antítese a esse tipo de escolha. Este depende, sobretudo, da opinião sobre um determinado candidato, na sua índole e a correta correlação entre a entrega que ele exercee as atribuições a que se propõe. No fim das contas, entende-se um voto fisiológico vem da compra, o voto de opinião vem da… opinião. Como toda simplificação, essa alegoria esconde uma série de fatores e limita a uma visão entre “bem e mal”, tão falsa quanto a percepção de que o voto de opinião é a salvação da políticabrasileira. A eleição é a síntese da sociedade. Uma grande pesquisa onde colocamos no centro da mesa o que queremos para o nosso país, nos dividimos em grupos e, a partir disso, decidimos as nossas escolhas, dentre aquelas que se apresentam. Isso não se dá somente para os cargos presidenciais, mas também para os governadores, senadores e deputados. Quanto menor a quantidade de eleitores para eleger alguém para um cargo, maior será aproximidade entre os votantes e o candidato. Ao mesmo tempo, quanto maior a quantidade necessária de votos, maior será a distância do candidato com o votante, pelo simples fato de que é mais fácil conversar e fidelizar uma quantidade menor de pessoas. Logo, as eleições legislativas possuem o vetor relação/proximidade com maior relevância, enquanto as eleições majoritárias dependem, quase sempre, da criação de um símbolo, ou de uma figura que represente aquele eleitor, por mais que a distância ainda seja considerável. Para consolidar melhor o exemplo, é possível que um candidato a estadual aperte a mão de pelo menos 10% dos seus 30 mil eleitores. No entanto, isso é impossível para um candidato ao Senado ou ao Governo do Estado. Sim, este aperto de mão e essa falta de necessidade de simbologia, ou de uma identificação com o candidato favorece que o eleitor não se preocupe com as ideias, ou com com a representação. Mas é no mínimo preconceituoso reservar o espaço de compra evenda para a gigantesca parcela da população. A relação de interesse e de compra e venda é um dos prejuízos desta proximidade, certamente, mas não é onde a relação mais próxima com o candidato se encerra. E é nesse caminho que gostaria de propor, para seguir areflexão deste artigo, uma mudança de conceitos, fora da dicotomia entre bem e mal. Vou chamar, por aqui, o voto de opinião de voto de comunicação, o "voto fisiológico” de voto de relação. Essa mudança de conceitos que venho propor vem para mostrar a necessidade do conceito “relação” para entender como funciona o processo eleitoral. A eleição,enquanto síntese da sociedade, se conecta diretamente com todas as experiências vividasanteriormente pelas pessoas fora dela. E isso quer dizer que os eleitores são influenciados, duranteo processo eleitoral, pelas mesmas redes que os influenciam na vida cotidiana. Neste ponto, é muito mais próximo um eleitor da periferia a liderança de um bairro,que ajuda na distribuição de cestas básicas,ou ensina como acessar um serviço de saúde, ou mesmo como pode criar pontes para levar os filhos para
uma atividade esportiva e/ou educacional, do que um ator global, ou um influenciador. Ao mesmo tempo, para os eleitores de classe média, onde as relações sociais do entorno não vão impactar necessariamente na sua sobrevivência ou da sua família, são relevantes figuras de influência social, na hora da escolhado voto, assim como fatorescomo representação, ideiaspropostas e discurso. A diferenciação superficial entre voto de opinião e voto fisiológico subestima os vetores comunicação e relação, importantíssimos para o processo eleitoral. Desconsiderá-losseria, por exemplo,não avaliar que a habilidade de comunicação de um candidatoé frequentemente mais importante do que as propostas, ou compromissos, para conquistar os eleitores acadêmicos e ditos de opinião. Ao mesmo tempo, deslegitimar a relação é retirar da análise a importância das lideranças comunitárias, do papel da religião e dos mecanismos de sobrevivência da periferia que vão para muito além do dinheiro,no processo eleitoral. É, sobretudo, aversão ao desconhecido e ao que hoje boa parte da esquerda não consegue se comunicar. E isso termina por esconder os problemas que existem nesse voto de comunicação, ou de opinião. Bolsonaro foi eleito, inclusive, pela construção de um novo voto de opinião que, inclusive, conseguiu ultrapassar as barreirassociais em 2018,utilizando-se dos novosmecanismos de comunicação como o Whatsapp. Se a fisiologia e a troca semelhante ao coronelismo são os riscos do voto que baseia-se na relação, o personalismo e o afastamento da realidade são os riscos do voto de opinião. A realidade do Rio de Janeiro é hoje, um dos principais casos de estudo e de análise paraentender os riscos do voto de opinião. Por aqui, são quatro os principais candidatos da esquerda para as eleiçõesmajoritárias. Para Governador, Marcelo Freixo (PSB),que somou 342.491 votos para deputadofederal em 2018, pelo Psol, e RodrigoNeves (PDT), ex-prefeito de Niterói que agora é apoiado por Eduardo Paes do PSD, que indicou o vice Felipe Santa Cruz. Ao mesmo tempo, para o Senado, Alessandro Molon (PSB) e André Ceciliano (PT) buscam essa cadeira. Em uma eleição aberta, onde as probabilidades dos nomes bolsonaristas de Cláudio Castro e Romário serem reeleitos para Governo e Senado são as maiores, a esquerda discute, ainda sem saber para onde ir, quem deve ocupar as cadeiras, e em quem votar. No lado do PDT, houve um crescimento político do ex-prefeito de Niterói que aposta na entrada do grupo do Eduardo Paes na sua campanha o gás necessário para conseguir chegar ao segundo turno. O PT, que segue, salvo exceções de diretórios locais, o apoio de Lula a Freixo, lança para o Senado a figura do ex-presidente da Alerj André Ceciliano para o Senado. Enquanto isso, o PSB, sem maiores influências da direção Nacional,mantém o nome de Molon para o Senado. O que ocorre, sem que a massa da população que naturalmente vota na esquerda e nas figuras de Molon e Freixo é, na verdade, uma disputa entre os dois. É a crise entre os maiores nomes do voto de opinião do Rio de Janeiro. De um lado, Freixo apoia acandidatura de André Ceciliano, para firmar seu acordo feito com Lula. Do outro, Molon se coloca como candidato ao Senado, com bons argumentos sobre o fato de estar na frente da disputa, não restando chances, na sua avaliação, para o candidato do PT. A eleição de dois candidatos a cargos majoritários de um mesmo partido é algo visto como incoerente e como um rompimento do acordo firmadoentre PT e PSB. Esta crise mostra dois problemas intrínsecos ao voto de opinião. O primeiro deles, é a concentração em uma ou duas personalidades que, a partir de uma boa comunicação, sustentam projetosque podem ser pessoais, em detrimento de costuras políticas maiores. O segundo, é a criação de uma visão limitada da realidade que, na verdade, afasta boa parte da população do centro da análise sobre o que fazer na política. A aversão de boa parte da esquerda à figura de André Ceciliano é, no mínimo, não aceitar a realidade do Estado em que se vive.
Enquanto isso, o bolsonarismo ainda permanece operante no Estado do Rio de Janeiro, que, sem definição do campo democrata, pode correr o risco de reeleger o governador que usa das operaçõespoliciais como plataforma eleitoral e o Senador bolsonarista que colhe os frutos da sua carreiracomo jogador de futebol.
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