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5a1_entrevista Glória Bonfim

por A Palavra Solta (Pérola Mathias)


No último dia 13 de maio, comemorando os 133 anos da Lei Aurea, Glória Bonfim se preparava para gravar uma live-show no Teatro Rival, no centro do Rio. Enquanto tivemos o privilégio de acompanhar o show "Glória Bonfim canta ao povo da floresta" da coxia, entendemos o tamanho de sua força. Após o show, a cantora nos recebeu em seu camarim para uma sessão de fotos e a entrevista.



Fotografia: Maria Morgado/A Palavra Solta



APS - As músicas dos seus discos lançados fazem parte do cancioneiro de temáticas afro-brasileiras - candomblé, samba de roda, samba de capoeira etc. Esses são os principais ritmos e temas que formam sua relação com a música no que diz respeito à sua origem baiana e a seus discos lançados. Mas e com relação às músicas que você escuta e costumava cantar em casa ou trabalhando? O que mais faz parte do seu universo musical?


GB - Em janeiro, que é o dia do protetor de Barra de Pojuca, que é o protetor dos pescadores que é São Francisco e tem a lavagem de São Francisco que é primeiro na igreja, aí tem a missa, tem a festa no altar... Oito dias depois, aí dali saí para a praia, que é a corrida. Dá o nome de corrida. Aí vai o santo, o andor, bota num barco que vai pra alto-mar, e aí aquela multidão de barcos acompanhando a procissão na praia. Depois daquilo ali que terminava tudo, aí é que volta-se para a beira da praia, ali tinha as barracas e todas as barracas tinha samba. A gente ficava no samba de roda.

Na verdade, eu aprendi a escutar música com a minha família em casa porque todo dia... porque toda vez que tinha festa de São Cosme e São Damião, em setembro, e a minha mãe fazia todo ano caruru de Cosme e Damião... Tinha a reza de noite, depois da reza botava a mesa das sete crianças no chão, formava a esteira com pano branco... Ali colocava uma bacia cheia de caruru, arroz, vatapá, frango e botava sete crianças ali sentadas em volta pra comer o caruru. Depois dali, aí é que começava o samba de roda que ia até de manhã. Ali é que eu comecei a escutar, a conhecer o samba de roda. E eu caia nessa, só saia manhã quando a festa terminava, quando o samba terminava.



APS - Como você acabou chegando na Portela, já estando no Rio de Janeiro? Como esse período impactou sua vida? Foi uma reaproximação com o papel que a música tinha na sua vida, desde a vivência nos sambas de roda da infância e a relação afetiva com as canções do rádio que você gostava, a exemplo de “A viagem”, tão fundamental na sua história?


GB - Foi a primeira escola de samba que eu conheci quando eu cheguei aqui no Rio e me apaixonei pelo Portela, né? Eu fui parar na Portela através de um amigo, de um vizinho. Aí eu já estava morando em Bangu e ele fazia parte da ala dos compositores. E tinha, todos os sábados, tinha uma roda de samba dos compositores da ala dos compositores da Portela. E ele ia todo final de semana. Sendo que ele morava na parte de cima num apartamento e eu morava embaixo, no primeiro andar. E eu, e ele tinha, nesse apartamento, ele tinha uma loja que ele estampava roupa né? Então, ele estampava muita fantasia para carnaval. E ali, eu morando embaixo, tinha a parte dos fundos que era tipo uma lavanderia. E eu, ali, naquele espaço, lavando roupa. Então, eu começava a cantar, como sempre, né? Trabalhando cantando e ele de lá do apartamento dele, ele me escutando cantar. Daí, ele me convidou, se eu não queria participar, ir na Portela e eu aceitei, foi a primeira vez que eu fui na Portela. Ele já é falecido, Bezerra, não era a bezerra da Silva, não. O nome dele era Bezerra. E ele me levou. Só que quando eu cheguei na Portela era muito difícil você subir no palco da Portela pra cantar, pegar o microfone. Então, foi aí onde ele me apresentou o Argemiro, que era o Argemiro que comandava a roda de samba da ala dos compositores, todos os sábados. E foi difícil, foi difícil pra eu poder pegar meu microfone da Portela, porque era uma coisa muito difícil. Então, ele virou e falou pra mim que não ia ter condições de vir. Que não ia ter condições, porque já estava muito cheio de gente pra cantar e aquela coisa toda, aí simplesmente ele falou, mas eu sei o que que eu vou fazer. Quando me chamarem, na minha vez de cantar, eu vou cantar uma música, depois eu vou lhe chamar. E foi assim que eu me apresentei pela primeira vez na Portela, eu fiz uma dupla com ele na música Dia de Domingo. Então, ele cantava uma parte, eu cantava segunda, depois eu cantava a primeira, ele a segunda. Era uma gravação da Gal Costa com Tim Maia. E foi assim que eu me apresentei na Portela pela primeira vez. Aí o pessoal ficou louco, né? Aí na semana seguinte eu voltei. Aí cantei e daí foi onde eu conheci o mestre Marçal e ele me convidou pra fazer parte da roda de samba na Portela todos os sábados. E depois passou a ser aos domingos também, lá no Mackenzie. Então, eu era convidada especial. Todo final de semana, eu estava com o pessoal da Portela, mas aquele pessoal da antiga, que muitos já faleceram, tem uma saudade muito deles. E foi assim a minha chegada na Portela.

O aprendizado que eu peguei da Portela foi aprender samba enredo. Eu não conhecia samba enredo. E outra coisa que eu aprendi, e pra mim foi muito bom, até hoje está sendo, que é você ser uma cantora é uma profissão. E eu não imaginava que ser uma cantora ou um cantor, é uma profissão, entendeu? Dali eu comecei a ganhar um dinheirinho, aí eu falei, pô, então, eu vou começar a me dedicar mais. Porque, na verdade, eu cantava por prazer, né? Não sabia que seria uma profissão. E, hoje em dia eu sou uma profissional, uma artista, né, uma cantora, Glória Bonfim, que o Brasil todo conhece.


Fotografia: Maria Morgado/A Palavra Solta



APS - Qual você considera que seja o papel de seus discos para preservação de uma tradição, de uma cultura e de transmissão da ancestralidade negra que forma a nossa sociedade?


GB - Acho que esse meu disco Santo e Orixá e Chão de Terreiro, é tudo em relação à ancestralidade, porque é a minha vida, é a minha essência, desde que nasci. E quando eu recebi esses dois presentes, essa obra prima, inédita, eu me apaixonei porque é a minha história. Então, eu acho que esse meus dois discos, é tudo na influência, no respeito, entendeu? A nossa religião. E através desses dois discos, eu consigo me expressar, mostrar para o Brasil todo, pra todo mundo que é uma religião de muito respeito, entendeu? De muito respeito, de muita coisa assim, muito melindrosa, que não é tudo que a gente pode expor como ultimamente, eu vejo hoje em é por aí, entendeu? Eu leio, eu tô sempre, sempre vendo, entendeu, sobre isso e hoje é uma coisa que eu não concordo. Mas cada um com seu cada um, eu tenho mais respeitar, como eles também têm que respeitar a minha posição, meu jeito de pensar. Então, esse disco pra mim foi tudo, porque através deles dois é que eu passo uma mensagem pra todo mundo entender o que que é a ancestralidade, entendeu? Que é uma coisa séria, não é uma coisa assim banal que você entra e fala assim, ah que coisa bonita, eu vou ser da religião. Não, não é a gente que escolhe, quem escolhe são os orixás que escolhem a gente. Então, falar, ai, que coisa linda, que santo lindo, ah, eu vou fazer, eu vou ser da religião, mas eu quero ser desse orixá, deste pé de vento, dessa natureza. Não é assim. Então, a gente tá aqui porque eles é que escolhem. Então, pra mim, pensando por esse lado, a ancestralidade é uma coisa muito séria e muito bonita, desde o momento que você saiba respeitar. Lindo.



Fotografia: Maria Morgado/A Palavra Solta



APS - Como tem sido para você a experiência de fazer show on-line e de interagir de forma virtual com seu público?


GB - É, a experiência de fazer um show online, pra mim, e eu acho que pra todas as cantoras e os artistas, no início, deve ter sido um pouco complicado, né? Mas, a gente, eu tive que me adaptar. Então, pra mim, é uma novidade e graças a Deus, eu consegui entrar no clima, né? Porque tem que conseguir. E eu achei, não é, claro, igual, ao vivo e a cores com o público, a plateia cheia, né? É diferente. Mas, eu quando eu estou no palco, eu me sinto tão feliz, tão feliz que a única hora que me dá falta do público é quando você termina uma música que você espera aquela energia do público, aquelas palmas. Enfim, aí você bota o pé no chão, fala: não, não tem. E eu estou tirando de letra, eu acho que eu tô tirando de letra. Porque o que eu faço no palco com o público, eu tô fazendo também a mesma coisa, sem público, porque a plateia está cheia.



APS - Como você enxerga seu trabalho como cantora no contexto do Brasil atual?


GB - Eu me vejo, hoje em dia como uma cantora que eu posso dizer que eu consegui o meu espaço, conquistei o meu espaço. Com o público, porque o público, eles me respeitam muito, é o maior carinho por pela cantora Glória Bonfim. E pelo o que eu pude passar, a minha mensagem pra eles, pelo meu canto, pela minha voz, pela minha energia o meu maior prazer, felicidade é que eu conquistei muita gente importante que se admiraram, que respeitam o meu trabalho, tipo, a Maria Bethânia, que graças a Deus, dei a maior sorte dela ser a minha madrinha na música, né? E o meu, o nosso compositor - meu não, nosso compositor -, Paulo César Pinheiro, confiou pela segunda vez em me dar uma obra, treze músicas inéditas que é desse meu segundo álbum Chão de Terreiro. Então, eu posso dizer que eu sou uma pessoa realizada dentro da música.



Fotografia: Maria Morgado/A Palavra Solta


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